— Ó Senhor, como são maravilhosas as obras de Tuas mãos! Quanta riqueza Tu depositaste sobre a Terra! — pensou.
Um
leve tremor sacudiu-lhe subitamente o corpo. Alguma coisa diferente estava acontecendo
com ela, pois seu coração começou a bater aceleradamente no peito. Ergueu a
cabeça e olhou ao redor. Parecia que havia descido um pesado silêncio sobre
todas as coisas vivas. Era como se o tempo e o mundo tivessem parado. As folhas,
as flores, os ramos, os arbustos, as casas, as árvores, o gado que pastava no
campo – tudo se imobilizara. Parecia que suas vidas tivessem sido suspensas num
indefinível instante.
Todas as criaturas de Deus aguardavam, em
plena luz daquele dia, a Sua palavra. Maria esperou, sob forte tensão, alguma
coisa que não devia estar longe, algo que devia acontecer a qualquer momento. Sentiu,
inesperadamente, o temor misturar-se com a alegria que tomara conta de sua alma.
Olhou mais uma vez em volta e seu olhar
pousou sobre a parede de seu quarto, onde, logo abaixo do teto, uma abertura
servia de janela. Algo atraiu seu olhar para dentro do quarto. Não ouviu voz
alguma e nada viu. Mas ela sabia que havia alguém lá dentro, alguém que lhe
pedia para entrar, acenando-lhe com mão invisível. Maria abaixou a cabeça e,
abandonando o jardim, entrou na casa.
O silêncio que pairava em seu quarto era
ainda mais profundo. Porém, todas as coisas estavam em seus lugares. Tudo
estava como ela havia deixado: a esteira de palha sobre o banco de madeira, a
roca com a fina meada de linho que recebera de presente do noivo; num canto, a
caixa de madeira com o seu livro de Salmos e os pergaminhos das Sagradas
Escrituras. De um cabide de madeira pendia o seu vestido de lã azul, juntamente
com o seu véu de linho branco que usara no pátio do Templo.
Maria deteve-se no meio do quarto, sem
saber o que fazer naquele silêncio pesado, profundo. Somente o seu coração é
que continuava a pulsar fortemente. Na sua testa brilhavam frias gotas de suor,
enquanto o seu rosto ardia em brasas, como se estivesse com febre. Havia
certamente alguém em seu quarto. Não podia vê-lo; apenas sentia o peso e a
extensão de sua presença. Subitamente
uma luz que não vinha do Sol penetrou pela pequena janela e pousou sobre o
tapete junto ao seu leito onde ela costumava ajoelhar-se para orar. Imediatamente,
Maria percebeu a sombra silenciosa de grandes asas sobre sua cabeça. O medo
aumentou, e com ele sua alegria. Maria cobriu o rosto com as mãos e caiu de
joelhos. Nenhuma palavra saiu de seus lábios; apenas o coração acelerou os
batimentos.
Quando ergueu novamente os olhos, viu que
não estava mais sozinha. Não se surpreendeu ao ver que havia um anjo no seu quarto.
Destacavam-se naquele ser celestial suas grandes e poderosas asas. Tinha as
feições de um jovem, talvez de um sacerdote ainda moço, parecidas com as que Maria
tinha visto nos pátios do Templo, porém mais sérias, mais radiantes e
intocáveis. Ele a contemplava com um sorriso nos lábios, com grandes olhos
muito atentos e cheios de ternura.
A jovem e o anjo se fitaram durante alguns
instantes. O olhar de Maria refletia
tristeza. O do anjo, piedade. Maria cerrou fortemente os lábios. Somente seus
olhos exprimiam o sofrimento de toda a humanidade. Permaneceu imóvel diante do
anjo, observando-o, apesar das persistentes marteladas que sentia em seu peito.
As veias do seu pescoço intumesceram-se-lhe, acompanhando o ritmo do coração.
O olhar de Maria lutou com o do anjo, da
mesma maneira como Jacó lutou com um ser celestial em Peniel. E foi ele, o anjo,
que abaixou finalmente a cabeça sobre as asas, incapaz de sustentar o
sofrimento mortal que se lia no olhar da jovem. Depois, numa voz baixinha que
parecia ter nascido de um murmúrio na extremidade longínqua dos espaços celestiais,
mas adquirindo ao mesmo tempo força e volume até soar num timbre humano, o anjo
disse-lhe:
(Continua amanhã)
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