– José ben Jacob, começou o rabino balançando o corpo, como se estivesse rezando, e cofiando os fios brancos e sedosos da barba, chegaram-nos informações que dizem respeito à jovem Maria, da qual ficastes noivo não faz muito tempo. O assunto nos deixou bastante apreensivo e clama por uma explicação... Fez uma pausa, e o movimento de seu magro corpo quase parecia Ter-se perdido nas espessas dobras da túnica. – Pois, mesmo que tais coisas tenham ocorrido no passado – conforme sabemos de casos anteriores que chegaram aos nossos ouvidos – tal não é, porém, o nosso costume na Galiléia. Contudo, o ato a que me refiro somente é permissível se o noivo admitir tê-lo praticado para fins de casamento. Portanto, peço-vos agora, José ben Jacob, dizerdes a este tribunal se desposastes a vossa noiva, a referida Maria, por meio de coabitação e se sois o pai da criança que ela traz em seu ventre.
José
não respondeu. Seu rosto tornou-se lívido. Fechou os olhos e deixou cair a
cabeça sobre o peito, tomado de desespero e vergonha. Não viu os olhares
rancorosos de Cleofas, o cunhado, e do sacerdote Hanina, os quais ocupavam os
bancos laterais reservados à família da noiva. não reparara nas feições pálidas
e transtornadas de Reb Elimelech, cujas rugas pareciam ter-se tornado mais
profundas naqueles últimos dias. Esquecera-se da presença do rabino e de seus
assistentes e do chefe da sinagoga, o venerável Reb Jochanan, um dos filhos de
Issachar, membro do tribunal. Nem mesmo ouvia o murmúrio abafado da
congregação, a qual ocupava os bancos do fundo e se comprimia na entrada da
sala. Tampouco via os rostos das mulheres e das jovens que o observavam através
das janelas. Parecia esmagado ao peso daquele golpe inesperado. O seu próprio
corpo deu de repente a impressão de que diminuíra, como se lhe tivesse esvaído
o sangue. E ele continuou encerrado no seu silêncio.
Toda
aquela gente ali reunida no tribunal juntou-se ao seu silêncio. Todos como que
prenderam a respiração para ouvir o que o jovem forasteiro diria contra a
acusação que lhe faziam. José, porém, persistia em sua mudez.
–
O silêncio eqüivale a uma confissão, declarou por fim Reb Elimelech, ansioso por dar paradeiro à dolorosa tensão.
Mas o rabino insistiu:
–
Esta questão é demasiado grave e não podemos abandoná-la tão somente por causa
de uma confissão pelo silêncio, declarou. José ben Jacob, peço-vos, pela
Segunda vez, em nome deste justo tribunal, que declareis perante nós se
consumastes ou não o casamento pela coabitação, ou se estais inocente nessa
questão e não sois o pai da criança que a vossa noiva Maria traz em suas
entranhas.
As
palavras do rabino ecoaram lugubremente, tornando o silêncio reinante mais
profundo ainda. Todos os presentes tiveram a consciência viva da importância
que elas representavam. O medo apoderou-se do espirito de todos. Era como se o
ar parado da sala do tribunal tivesse sido agitado pelas asas de um anjo fatal.
Todos sabiam o que aconteceria se José negasse a sua participação no caso,
esperavam com profunda ansiedade a sua resposta.
Um
gemido prolongado rompeu o silêncio. Foi entre soluços que José gritou:
–
Ó Pai Celeste! Estaríeis assistindo a essa humilhação de uma inocente filha de
Israel?
–
O que foi que ele disse? O que foi? ouviu-se cochichar entre os espectadores.
–
Explicai o que quereis dizer, José ben Jacob, ordenou o rabino.
–
O que quero dizer é o seguinte: Qual foi o homem ou a mulher que lançou essa
infâmia sobre a minha noiva?
O
rabino e seus companheiros juízes ficaram aturdidos.
Foi
como se a acusação do jovem os visasse diretamente. Passado um instante, os
parentes da noiva ergueram-se tumultuosamente. Cleofas parecia ter recebido uma
aguilhoada e sacudiu um punho ameaçador para o acusado. Atrás dele via-se o
sacerdote Hanina que gesticulava freneticamente. Da porta de entrada vinha um
vozerio confuso que aumentava de intensidade. O rabino levantou a mão impondo
silêncio e recomeçou em voz trêmula:
–
José ben Jacob, Deus é testemunha de que não partiu deste tribunal a acusação
que pesa sobre vossa noiva. antes de vos chamar para comparecerdes neste
tribunal, tínhamos recebido informações que nos haviam deixado bastante
inquietos. Não nos deixamos, porém, guiar apenas por elas, esforçamo-nos muito
por investigar o caso, ouvimos testemunhas de integridade impecável – muitas
matronas e jovens que ouviram a vossa noiva, a jovem Maria, confessar que ia
ser mãe e invocar o Nome Sagrado e agradecer a Deus pela graça que Ele lhe
dera. Ouviram-na dizer isso não apenas uma ou duas vezes, mas sim muitas vezes.
Foi no poço, onde ia buscar água todas as manhãs e todas as tardes, que ela
confiou esse fato a suas amigas. E ainda protelamos o julgamento, pois quisemos
ouvir mulheres versadas nessas questões, as quais nos declararam que não havia
dúvida alguma de que vossa noiva estava em estado de gestação. Não vemos motivo
para duvidar do depoimento dessas testemunhas. Pedimo-vos, pois, pela terceira
vez, que declareis publicamente, perante a congregação aqui reunida, se é fruto
vosso a criança que vossa noiva Maria traz em seu ventre. Se, livrai-nos Deus,
algum outro homem for o pai da criança, sabereis então a desgraça que pairará
sobre vossa noiva, sobre a casa de sua genitora e sobre todos nós nesta sagrada
congregação. José ben Jacob, tirai a mancha que cobre o nome de uma filha de
David! Aplacai a inquietação que reina nos corações desta comunidade de Israel!
Confessai!
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