CAPÍTULO IV
O CONTRATO DE CASAMENTO ENTRE JOSÉ E MARIA DENTRO DAS TRADIÇÕES DE ISRAEL
A TRADIÇÃO EM ISRAEL exigia que o contrato
de casamento de uma virgem fosse lavrado numa quarta-feira, e o de uma viúva
numa quinta-feira. Isso no meado do mês, com a lua cheia e brilhante a fim de
se ter boa sorte. Escolhera-se, portanto, a quarta-feira mais próxima, no mês
de Adar, para o noivado do jovem José ben Jacob e da virgem Maria.
Adar era o mês da felicidade. “Israel
colhe alegrias quando Adar surge”, dizia o ditado. Aquele mês trazia consigo a
encantadora festa de Purim e, com ela, as grandes celebrações da Páscoa.
Trazia também a estação mais bela do ano,
pois nessa ocasião, todos os campos nas vizinhanças de Nazaré se cobriam de
papoulas, os ramos das videiras vergavam sob o peso de seus pequeninos cachos
de uvas, as romãs estavam em plena florescência, e o fértil vale de Jezrael
oferecia um admirável conjunto de cores com suas plantações de milho, jardins,
vinhedos e bosques de oliveiras. A Galileia, durante o mês de Adar, parecia o
próprio jardim de Deus, onde se erguiam as “barracas de Jacó” e se viam as
pequeninas cidades e aldeias judaicas adornando a paisagem até ao longínquo
monte Sinai. Nas encostas daquele monte, milhares de ciprestes, qual oceano de
um verde vivíssimo, se estendiam até ao cume árido que recebera a maldição de
Davi.
A viúva Hannah pegou uma das grandes
vasilhas de barro que se achavam à porta da entrada da casa – as mesmas
vasilhas que guardavam no inverno o suco de uva, e que durante as restantes
estações do ano serviam para nelas se fazerem as abluções – e levou-a para a
câmara da filha, depois de enchê-la de água fresca da cisterna. Ajudou a noiva
a banhar-se. Não demorou muito a aparecerem as amigas de Maria, as quais a
vestiram de linho branco, e fizeram-lhe uma coroa com papoulas e folhas de
oliveira para adornar-lhe a cabeça. Cobriram depois as paredes e o teto com
flores colhidas nos jardins, e campos e colocaram galhos de oliveiras ao lado
dos bancos que estavam enfileirados junto às paredes, à espera dos convidados.
Vieram depois as matronas da cidade para
auxiliar a viúva a preparar as iguarias. Amassaram o pão e cozeram-no, ao ar
livre, em fogões improvisados. Fizeram bolinhos de mel para as crianças, as
quais receberiam também nozes e frutas secas. Encheram os pratos de mel.
Retirou-se da despensa toda a provisão de azeitonas pretas que lá haviam sido
conservadas em sal e vinagre para que não se estragassem. Espalharam pelas
travessas de barro fatias de tortas de figo. Odres de precioso vinho de tâmaras
e de uva surgiram de seus esconderijos para honrar os convidados e saciar sua
sede.
Os vizinhos não vieram de mãos vazias.
Haviam colhido em suas hortas legumes frescos que satisfaziam tanto quanto a
carne, como, por exemplo, alcachofra, que se podia comer cozida e crua, e
outros legumes que estimulavam o apetite e aqueciam o sangue, como cebolas e
endros. Alguns faziam os comensais estalar a língua, como a erva-doce e o
aspargo real, cujo gosto se reflete nos olhos, e que seriam servidos somente às
pessoas delicadas e às crianças. Para atender aos demais convidados, havia
sobre a mesa muitas jarras de leite e coalhada, queijo curado e, aqui e acolá,
blocos de manteiga com mel.
Não se serviria carne. Os habitantes de
Nazaré eram demasiado pobres para se dar ao luxo de matar um cordeiro ou um
cabrito, até mesmo em ocasiões tão raras como o noivado de uma filha. Além
disso, o uso da carne era circunscrito por complexas regras de sacrifício e
ritos que se tinham de ser observados por ocasião da matança. A carne animal
era uma iguaria reservada para aqueles que moravam em Jerusalém, onde se podia
encontrá-la em abundância.
Os moradores do campo raramente viam carne
de uma Páscoa a outra quando viajavam para a Cidade Santa a fim de sacrificarem
o cordeiro pascal. O mesmo se passava com o peixe. Esse alimento não era comum
na casa dos pobres. Os pequenos peixes pescados no mar da Galileia e salgados
nos portos das cidades de Cafarnaum e Sidom, jamais chegavam a lugares tão
afastados como Nazaré. Podia-se encontrá-los apenas nos grandes centros, tais
como Sephoris, Naim e Caná. Os moradores de Nazaré tinham, pois, de
contentar-se com verduras e leite e seus derivados, a que se acrescentavam nos
sábados e dias de festas ovos ou mesmo aves – isto é, se se encontrasse um
entendido nas regras de matança.
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