— Nós todos somos filhos de Deus, e não é
nosso costume em Israel estabelecer diferenças entre recém-chegados e antigos
residentes. “O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás; pois estrangeiros
fostes na terra do Egito” (Êxodo 22.21), diz a Escritura. E este jovem não é
propriamente um estrangeiro, pois é da Casa de Davi e seu pai viveu entre nós.
Consequentemente devo, não obstante todo o respeito que tenho pelo sacerdote,
pôr um ponto final a esta discussão, já que ela não está trazendo vantagem a
ninguém; ao contrário, só está causando aflição a um inocente. O jovem José ben
Jacó tem todo o direito a esse casamento, e nós não estamos reunidos aqui para
examinar os seus méritos, mas sim para regozijar-nos com o noivado dele com a
jovem Maria. Portanto, digo, vamos cantar para o jovem casal, ao noivo José,
que hoje é o rei, e a Maria, a noiva e rainha.
Mas a questão não ficou encerrada ali,
pois aqueles galileus eram homens implacáveis. Estavam acostumados a defender o
que achavam ser seus direitos, e raramente fugiam de uma luta. Por isso, Hanina
ben Safra voltou novamente ao ataque no dia seguinte, no mercado. Diante de um
grupo de anciãos e outros homens respeitáveis que conversavam aproveitando a
sombra de um alto e velho muro, ele, sem pedir licença a ninguém, começou o seu
discurso:
— Mesmo que se tenha investigado a
respeito da família daquele rapaz, isso não é ainda o bastante para mim. Como
parente da noiva, tenho o direito de insistir em que essa investigação
satisfaça a mim e aos outros. Duvido, pois, da opinião do rabino. Os parentes deviam
ter sido consultados primeiro.
Sua insistência acabou despertando a curiosidade
de alguns parentes da noiva que estavam por ali. Cleofas, o artífice que havia
casado com Mariama, a irmã mais velha de Maria, lembrou a todos que fora severamente
investigado antes de receber a permissão para casar. Outras pessoas que estavam
no mercado foram atraídas pela discussão. Homens que ainda na véspera haviam
acolhido amigavelmente o forasteiro, começavam agora a pensar nele com
desconfiança, como alguém que tivesse invadido afoitamente Nazaré para
arrebatar-lhes uma de suas mais nobres filhas.
A cidade de Nazaré, argumentavam, não era
rica, e seus antigos habitantes somente com muita dificuldade é que podiam se manter.
Não precisavam de outro carpinteiro ali para disputar-lhes o ganha-pão.
Havia um fundo de verdade nas queixas
daqueles homens. A cidade ficava junto à estrada que vinha da Síria à Galileia,
e os carpinteiros viviam, em grande parte, dos consertos que faziam nos carro
dos viajantes que por lá passavam. Essa fonte de subsistência era, portanto,
bastante limitada. O solo de Nazaré, mesmo que não pudesse chamá-lo de árido,
não podia competir com as ricas terras nas proximidades do mar da Galileia, sem
mencionar ainda as do vale de Jezrael, que superava a todas.
As frutas de Nazaré – figos, tâmaras e amêndoas
– amadureciam muito tarde no verão. A maior parte do vinho fabricado pelos
pequenos produtores era demasiado fraco para enfrentar a concorrência de
famosas vinhas, como as de Sichna, cujos produtos eram vendidos até no sul de
Jerusalém para uso nos ofícios do Templo. O melhor dos vinhos nazarenos era qualificado
para exportação somente na casa de cobrança de impostos em Cafarnaum. Dali embarcava para a cidade grega de Decápolis, do
outro lado do mar da Galileia. Os produtos importados a partir de Cafarnaum
eram mais caros do que na sua terra de origem. Mas isso somente dizia respeito
ao vinho.
Os demais produtos, devido a sua pobre
qualidade, não encontravam mercado no exterior e não eram exportados. Eram vendidos
dentro da própria Galileia, e por preços tão baixos que só davam para pagar os
pesados tributos cobrados pelo governo. Assim, a maioria dos habitantes da Galileia
era obrigada a levantar o dinheiro suficiente para sua subsistência como artífices
– oleiros, carpinteiros e outras profissões semelhantes.
(Continua amanhã)
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