AQUELA OCORRÊNCIA no poço tornou-se pouco tempo o tema de conversação em toda a cidade. Tanto as jovens como as matronas aguçavam a vista em direção a escandalosa virgem, procurando confirmação das suspeitas que as suas palavras haviam despertado. Faziam-no em qualquer lugar em que ela estivesse, fosse no mercado ou no poço, algumas com timidez, outras com ar de conhecedoras.
–
Bobas que sois! A barriga dela já está volumosa e ainda estais procurando
descobrir qualquer sinal! escarneceu uma viúva que tinha a pretensão de
conhecer algo do ofício de parteira.
–
O novo carpinteiro gosta de furtar os figos antes de estarem maduros, declarou
a outra.
Não
demorou muito para que os boatos chegassem aos ouvidos das autoridades, e o
rabino, juntamente com os juízes do tribunal, decidiram que o caso exigia uma
investigação oficial.
Acontecia
que, sob o ponto de vista estritamente legal, o ato de coabitação entre noivo e
noiva não constituía crime. De fato, era uma das três maneiras reconhecidas
cara concluir um contrato de casamento. No entanto, deve-se acrescentar que a
sua legalidade não amenizava de forma alguma a ação indecorosa, pois tais
relações com uma noiva eram consideradas violação brutal do decoro e uma nódoa
que ficaria para sempre na família da noiva. todavia, o ato em si não era
suscetível de punição contanto que o noivo confessasse ser o autor e declarasse
publicamente que escolhera tal método como o meio de consumar o casamento. No
entanto, se ele negasse a sua participação no caso, a culpa de infidelidade
caía toda sobre a noiva, a qual seria então estigmatizada como adúltera, e,
para o crime de adultério, as leis de Moisés admitiam apenas uma punição –
morte a pedradas. Com tal ameaça a pairar-lhes no espirito, as autoridades não
sentiam disposição para mortificar uma filha de Israel, acusando-a de um crime
capital. Decidiram, por conseguinte, interrogar primeiro o noivo. O caso
ficaria encerrado imediatamente, se ele confessasse o fato.
Como
se poderia esperar, José ignorava completamente os boatos que agitavam a
cidade, não obstante a nuvem de tristeza que pairava sobre os seus parentes.
Cochichavam sempre a seu redor. Ficavam com as fisionomias carregadas toda a
vez que ele aparecia, e mesmo assim José mal percebia a transformação e,
certamente, estava longe de suspeitar a verdadeira causa de tudo aquilo.
Achava-se demasiadamente absorvido com os preparativos de seu próximo casamento
e economizava os seus magros ganhos para poder comprar presentes para a família
da noiva e o vinho que deveria fornecer para a festa. Sabia o conceito em que
um homem era tido pelo número de copos que se bebia nessa ocasião.
José
estava tão embebido nos preparativos e a eles se dedicava com tal ardor, que
nem deu pela mudança na atitude de seu parente e amigo, Reb Elimelech, o qual
começara a afastar-se dele, quase deixando mesmo de responder às suas
saudações. Na família da noiva, as coisas eram ainda piores; seus membros
murmuravam com azedume contra o jovem intruso que lhes destruíra a paz. A
própria mãe de Maria refugiara-se num canto da casa numa noite em que José fora
visitar a noiva.
Foi
na sinagoga que José viu que todo o mundo o evitava. Os homens não deram
atenção às suas saudações e evitavam passar perto do banco em que se achava.
Viu o olhar de zombaria e de desprezo que lhe atiravam. Ficou completamente
surpreendido com aquele tratamento, pois ignorava tivesse cometido qualquer
falta. Teria, ao mesmo tempo, rejeitado veementemente a idéia de que aquela
hostilidade geral que começara a pesar-lhe terrivelmente no espirito tivesse
qualquer relação com a noiva, principalmente com a sua castidade. Teria imposto
o silêncio a qualquer homem que ousasse ferir a honra de uma filha de Israel.
Permaneceu assim, na ignorância dos fatos, pois não encontrava justificativa
para o tratamento cruel que lhe estavam dispensando.
Foi,
portanto, com genuína e profunda surpresa que recebeu uma intimação para
comparecer perante o tribunal de Nazaré.
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