Não levou muito tempo para que todos em Nazaré começassem a comentar a transformação que se operava em Maria. Viam muitas vezes a jovem dirigir-se para lugares sossegados, demonstrando inexplicável predileção pela solidão, em vez de procurar divertir-se com as amigas e usufruir da companhia do noivo. Todavia, a sua melancolia não era das que costumam irritar o observador. Ao contrário, parecia irradiar notas melodiosas de uma canção, as quais ressoavam nos corações das pessoas, enchendo-as de estranha alegria.
Todos se sentiam mais felizes em sua
presença. Porém, em outros momentos, tinha-se a impressão de que a sua
companhia causava certa inquietude. Todos achavam que era preferível não olhar
em seus olhos. Até mesmo a mãe se sentia estranhamente perturbada quando a via
sair do quarto pela manhã. Nessas ocasiões, parecia que um véu de luz envolvia
a jovem, e o brilho que refletia em seus olhos parecia ter algo de celestial.
Vendo-a assim uma manhã, perguntou-lhe a
mãe, com a voz trêmula, dominando a emoção:
— Maria, minha filha, tu me pareces muito estranha.
Por amor de Deus, diz-me o que foi que aconteceu?
— Não sei o que a senhora quer dizer com
isso, mamãe.
— Como não sabes, Maria? Dás a impressão de que
um anjo está andando à tua volta. Até parece que lhe ouço o bater das asas.
— Deus deixou que Sua graça caísse sobre mim,
mamãe — respondeu Maria com simplicidade e sem constrangimento.
— Nós todos temos a graça de Deus, assim penso —
retrucou Hannah, lançando um olhar penetrante para a filha.
— Eu sei, mamãe, mas é que o nosso Deus me
escolheu para trazer conforto e esperança aos oprimidos. Fui escolhida por ele
para ser a mãe daquele que resgatará Israel.
— Maria, tuas palavras me causam aflição.
Alguma coisa se passou contigo. Não sei o que é, mas uma coisa te peço: Não
deixeis essas palavras caírem nos ouvidos dos estranhos. As más línguas
falariam mal de ti.
— Que
mal poderiam falar de mim, se o Criador me protege? Ele está ao meu redor como
um cinturão de fogo. A quem devo temer se Ele me escolheu para conceber a
esperança de Israel?
Hannah empalideceu de pavor.
— Rogo a Deus que não me envergonhes, Maria
disse ela, e que Ele faça que tudo corra bem.
Tomou depois a filha pela mão e conduziu-a para
o seu quarto, acrescentando:
— Fica aí entre essas paredes. Receio que
apareças para os outros e comeces a falar sobre isso.
Mas todos os habitantes de Nazaré vieram a
saber disso. Muitas vezes, em plena luz do dia, Maria costumava ajoelhar-se em
oração quando trabalhava na sua horta ou jardim. Outras vezes, à noite, permanecia
ereta no telhado da casa, sozinha, contemplando as estrelas, ou caía de
joelhos, as mãos levantadas para o céu, e entoava os salmos de Davi ou uns
versículos que ela mesma compunha, e cuja razão de ser ninguém compreendia. Não
eram versículos de uma profetisa, mais pareciam palavras de adoração de uma
sacerdotisa. Cantava alegres hinos de louvor e magnificats ao Altíssimo pelos milagres que nela se haviam operado.
Seus cânticos referiam-se às promessas cumpridas, a obrigações antigas assumidas
para com os Patriarcas, à aproximação do dia da salvação, da grande redenção.
— Que se abram as portas da glória para o
Santíssimo de Israel! — cantava ela. — Os cativos e os pobres anseiam pela Sua
vinda! Os cânticos de toda a Terra se elevam para Deus!...
A viúva Hannah costumava despertá-la daqueles
deslumbramentos. Erguia-a, ajudava-a a descer a escada e conduzia-a para o
interior da casa. Não queria que o estado d’alma da filha alimentasse os
mexericos do povo.
(Continua amanhã)
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