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domingo, 3 de abril de 2022

Uma Filha Obediente

 


      No momento em que ia entrar em casa, lembrou-se que uns amigos a esperavam. Voltou para a cisterna, na extremidade do terreno. Passou por entre grossos troncos de ciprestes e à beira do reservatório, onde encontrou a corça e seu filhote que todas as manhãs costumavam ir ali beber água. Maria descobrira-os um dia e conquistara-lhes a confiança com um feixe de capim. Começou deste modo a amizade entre eles, e desde aquele dia, todas as manhãs, depois que os animais domésticos recebiam a sua ração de água e alimentos, Maria colhia no quintal folhas de beterraba e de cenouras e levava-as para os seus hóspedes. Eles continuaram a aparecer ali todos os dias.

      Maria não podia lhes dispensar muito tempo de sua atenção. Sua mãe a esperava em casa, e seu trabalho diário havia apenas começado. Maria tinha de contentar-se com um ligeiro afago que a corça lhe fazia com a cabeça, e com uma lambidela do filhote em sua mão. Os dois animaizinhos devoravam rapidamente as folhagens que Maria lhes dava ou o punhado de feno que ela retirava da ração do jumento. De repente ela ouvia a voz distante da mãe chamando-a:

— Maria, onde estás?

— Estou aqui, mamãe; já vou — respondia a moça. Voltava-se então para os pequeninos animais selvagens que haviam descido das montanhas à procura de sua companhia, e lhes dizia: — Voltem para junto de seus companheiros.

Ao chegar a casa, Maria tomava o seu desjejum com a mãe, pegava uma bilha e tornava a sair, desta vez para ir ao poço da cidade buscar água para beber e cozinhar. Os animais tinham de se contentar com a água da cisterna, pois a estação das chuvas, que enchia os regatos e reservatórios naturais, havia passado.

E assim iam-se passando os dias da moça, cheios de tarefas em casa, no jardim, na horta e com os animais. A família tinha quase tudo para a sua subsistência. Também era tarefa de Maria levar os carneiros até o prado que ficava entre o bosque das oliveiras e o sopé da montanha. Era um pasto comum a todos de Nazaré. Ali um pastor, pago pela comunidade, cuidava dos carneiros, das cabras e do gado dos habitantes da cidade. Antes do anoitecer, ele trazia de volta todos os rebanhos que estavam sob os seus cuidados. Os carneiros da casa de Maria já conheciam o caminho, e quando chegavam diante da abertura existente na pequena cerca de salgueiros, entravam correndo.

Certos serviços também eram feitos por alguns homens que recebiam um salário pago pelos nazarenos, como a tosquia dos carneiros e o penteamento da lã, serviços que eram considerados exclusivamente para homens. Maria cuidava da horta e dos canteiros, de cujas flores se extraía incenso para as mulheres, pois toda a mulher em Israel, por mais pobre que fosse, possuía uma provisão de óleos de incenso. Cumpria também a Maria preparar o óleo de oliva para as lâmpadas. Era dever tradicional da mulher fabricá-lo para a casa do esposo com o trabalho de suas mãos.

Como todas as filhas judias, Maria aprendera tudo isso na adolescência a fim de, mais tarde, saber desempenhar os serviços da casa do marido. Devia saber utilizar-se do pilão para o preparo dos óleos e temperos, ter bastante destreza no manejo da roca e do tear, apanhar gravetos no bosque das oliveiras para acender o fogão, manter a casa limpa, pôr a mesa e lavar a sua própria roupa.

Seu dia era todo tomado pelo trabalho, havendo apenas um ou outro momento de lazer, curtos intervalos entre uma tarefa e outra, quando então ela podia visitar um vizinho doente e levar-lhe um prato de sopa quente, ou tecer alguma fazenda que seria levada depois  a Jerusalém como dádiva para o templo, ou fazer alguma roupa sacra para um aspirante a sacerdote.

Durante os dias quentes de verão, mãe e filha descansavam um pouco à sombra da casa logo depois da refeição do meio-dia. Mas a hora adequada para o descanso, durante todo o ano, era depois do pôr do sol. Nessa ocasião, a viúva contava à filha histórias da vida dos patriarcas, de suas mulheres e dos profetas que falavam da esperança da humanidade, o rei Messias, cuja vinda era esperada dia após dia.

Naquela noite, logo após o jantar, quando ambas, à luz da lâmpada de óleo, já haviam lavado e guardado os pratos e reposto a lâmpada sobre a mesa a fim de que o dia terminasse, como havia começado, pela leitura da Palavra de Deus, ouviram três toques na ombreira da porta, o que significava visita. Entreolharam-se, surpresas. Quem poderia ser o visitante no meio da semana? Os judeus só se visitavam aos sábados e em dias festivos. Ao abrirem a porta, depararam-se com a figura do tio, o alto Reb Elimelech, cuja barba comprida e fina emprestava certa nobreza às suas feições, mesmo quando vistas à distância.

(Continua amanhã)

SHLOMO YITZHAK

França (1040-1105)

(Transcrito em português contemporâneo, adaptado, revisado e enriquecido por Jefferson Magno Costa)

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