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quinta-feira, 21 de abril de 2022

Os Comentários em Nazaré Sobre Maria

 

Os boatos, porém, espalharam-se como um incêndio numa floresta. Surgiu uma nova profetisa em Israel, dizia-se, e não é outra senão a filha da viúva Hannah e do falecido carpinteiro Hanan. A mesma Maria que há poucos dias ficou noiva do recém-chegado José. Circulavam histórias de visões que a jovem tinha. Dizia-se que um espírito se havia apoderado dela e que era esse espírito – e quem poderia saber qual era – que falava por seu intermédio toda a vez que abria a boca. Seria o espírito de Deus ou – Deus nos livre – o de Satã?

As moças da cidade foram as primeiras a ouvir, certa vez, sobre o espírito que dominava Maria.

A jovem continuara a ir todas as manhãs tirar água do poço da comunidade. Hannah deixava-a ir, muito contra sua vontade, embora fosse muito natural que as mães mandassem as próprias filhas fazer tal serviço.

Acontecia que o poço era o ponto de reunião das mulheres, o centro de onde se irradiavam todas as notícias, mexericos e escândalos. Era ali, às primeiras horas da manhã, que as mulheres trocavam, entre cochichos e gargalhadas, as suas confidências e contavam umas às outras os acontecimentos da véspera, o que se dizia recentemente de determinado homem ou mulher. É desnecessário dizer que a conduta de Maria constituía rica fonte de mexericos para as mulheres fofoqueiras. Todas as manhãs suas vizinhas corriam para o poço e, com voz ainda arquejante, contavam às companheiras o que tinham ouvido a jovem cantar no telhado da casa da mãe — que ela havia sido escolhida, entre todas as moças de Israel, para ser a mãe do Messias de Israel.

Numa daquelas manhãs, quando Maria aproximava-se com a bilha sobre a cabeça, observou um grupo compacto de mulheres junto ao poço cochichando entre si. Os olhos delas, todos sem exceção, estavam fitos em Maria, de modo que não havia dúvida quanto ao assunto da conversa. Quando Maria chegou à boca do poço, todas se afastaram para dar-lhe passagem, embora não fosse ainda a sua vez. Mas assim que ela encheu a bilha e virou-se para voltar para casa, viu-se cercada pelas mulheres, que lhe bloquearam o caminho. Uma delas, o rosto queimado de sol, e com uma argolinha de latão pendente do nariz – a quem chamavam de “Avihu de Má Língua”, postou-se à sua frente, de mãos à cintura, e perguntou com ironia:      — Então foste tu a escolhida para trazer a esperança aos judeus e ser a mãe do Filho de Deus?

— Não é que ela parece agora uma matriarca, tal e qual Raquel e Lia? — zombou outra.

— Fui escolhida por Deus para participar do plano de salvação para Israel — respondeu Maria, como se a pergunta lhe tivesse sido feita de boa-fé.

— Como é que sabes? — perguntaram-lhe novamente. Se ainda não te deitaste com um homem, como poderás saber que essas coisas te irão acontecer? Talvez Deus feche o teu ventre a sete chaves.

— Quem sabe? Um fruto roubado é mais saboroso —, acrescentou a velha Tamar, mulher que há muito tempo tinha sido abandonada pelo marido. Concluiu suas palavras com uma gargalhada que pôs a mostra as ruínas de sua boca.

Maria passeou o olhar em volta. As mulheres não arredaram o pé do círculo que tinham feito. Viam-se no rosto de todas elas o ódio e a malícia. A jovem sentiu um calafrio subir-lhe à espinha e, largando a bilha, caiu de joelhos e ergueu as mãos. Não disse palavra, mas o tremor dos seus lábios e a palidez que lhe cobriu o rosto assustaram as mulheres, as quais se puseram a correr, quase caindo umas sobre as outras. Pararam à distância e continuaram a observar, com os olhos arregalados, a jovem, e ouviram, assustadas, as palavras que saíam dos lábios dela, como o cântico de um salmo que tivesse sido pronunciado pela primeira vez em toda a terra de Israel:

— Deus reservou coisas extraordinárias para mim. Como uma águia Ele desceu até ao meu quarto; como um pássaro real carregou-me em suas asas até às nuvens. Não foi entre os cedros do Líbano nem entre as montanhas da Judeia que construiu o Seu ninho, porém entre as tenras varas do canavial da Galileia. E foi na humilde casa de meu pai que elegeu a mais insignificante de Suas servas para conceber em seu ventre a Esperança de Israel. Aquele que será concebido em meu ventre trará o auxílio e a salvação, os quais não conhecerão fronteiras nem deixarão de estender-se por toda a Terra e pelos Céus, por toda a eternidade!

— Ouviram o que ela disse? Ouviram? — gritou uma das mulheres em voz estridente e histérica. — Ela mesma disse que traz em seu ventre a Esperança de Israel!

Então as mulheres saíram em desabalada correira rumo às suas casas, para espalhar a espantosa notícia de que uma virgem em Nazaré afirmara que seria a mãe do Messias!   

(Continua amanhã)

SHLOMO YITZHAK

França (1040-1105)

(Transcrito em português contemporâneo, adaptado, revisado e enriquecido por Jefferson Magno Costa)

    

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