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domingo, 17 de abril de 2022

Um Anjo Aparece a Maria

  

      — Ó Senhor, como são maravilhosas as obras de Tuas mãos! Quanta riqueza Tu depositaste sobre a Terra! — pensou.

      Um leve tremor sacudiu-lhe subitamente o corpo. Alguma coisa diferente estava acontecendo com ela, pois seu coração começou a bater aceleradamente no peito. Ergueu a cabeça e olhou ao redor. Parecia que havia descido um pesado silêncio sobre todas as coisas vivas. Era como se o tempo e o mundo tivessem parado. As folhas, as flores, os ramos, os arbustos, as casas, as árvores, o gado que pastava no campo – tudo se imobilizara. Parecia que suas vidas tivessem sido suspensas num indefinível instante.

      Todas as criaturas de Deus aguardavam, em plena luz daquele dia, a Sua palavra. Maria esperou, sob forte tensão, alguma coisa que não devia estar longe, algo que devia acontecer a qualquer momento. Sentiu, inesperadamente, o temor misturar-se com a alegria que tomara conta de sua alma.

      Olhou mais uma vez em volta e seu olhar pousou sobre a parede de seu quarto, onde, logo abaixo do teto, uma abertura servia de janela. Algo atraiu seu olhar para dentro do quarto. Não ouviu voz alguma e nada viu. Mas ela sabia que havia alguém lá dentro, alguém que lhe pedia para entrar, acenando-lhe com mão invisível. Maria abaixou a cabeça e, abandonando o jardim, entrou na casa.

      O silêncio que pairava em seu quarto era ainda mais profundo. Porém, todas as coisas estavam em seus lugares. Tudo estava como ela havia deixado: a esteira de palha sobre o banco de madeira, a roca com a fina meada de linho que recebera de presente do noivo; num canto, a caixa de madeira com o seu livro de Salmos e os pergaminhos das Sagradas Escrituras. De um cabide de madeira pendia o seu vestido de lã azul, juntamente com o seu véu de linho branco que usara no pátio do Templo.

      Maria deteve-se no meio do quarto, sem saber o que fazer naquele silêncio pesado, profundo. Somente o seu coração é que continuava a pulsar fortemente. Na sua testa brilhavam frias gotas de suor, enquanto o seu rosto ardia em brasas, como se estivesse com febre. Havia certamente alguém em seu quarto. Não podia vê-lo; apenas sentia o peso e a extensão de sua presença.     Subitamente uma luz que não vinha do Sol penetrou pela pequena janela e pousou sobre o tapete junto ao seu leito onde ela costumava ajoelhar-se para orar. Imediatamente, Maria percebeu a sombra silenciosa de grandes asas sobre sua cabeça. O medo aumentou, e com ele sua alegria. Maria cobriu o rosto com as mãos e caiu de joelhos. Nenhuma palavra saiu de seus lábios; apenas o coração acelerou os batimentos.

      Quando ergueu novamente os olhos, viu que não estava mais sozinha. Não se surpreendeu ao ver que havia um anjo no seu quarto. Destacavam-se naquele ser celestial suas grandes e poderosas asas. Tinha as feições de um jovem, talvez de um sacerdote ainda moço, parecidas com as que Maria tinha visto nos pátios do Templo, porém mais sérias, mais radiantes e intocáveis. Ele a contemplava com um sorriso nos lábios, com grandes olhos muito atentos e cheios de ternura.

      A jovem e o anjo se fitaram durante alguns instantes. O olhar de Maria  refletia tristeza. O do anjo, piedade. Maria cerrou fortemente os lábios. Somente seus olhos exprimiam o sofrimento de toda a humanidade. Permaneceu imóvel diante do anjo, observando-o, apesar das persistentes marteladas que sentia em seu peito. As veias do seu pescoço intumesceram-se-lhe, acompanhando o ritmo do coração.

      O olhar de Maria lutou com o do anjo, da mesma maneira como Jacó lutou com um ser celestial em Peniel. E foi ele, o anjo, que abaixou finalmente a cabeça sobre as asas, incapaz de sustentar o sofrimento mortal que se lia no olhar da jovem. Depois, numa voz baixinha que parecia ter nascido de um murmúrio na extremidade longínqua dos espaços celestiais, mas adquirindo ao mesmo tempo força e volume até soar num timbre humano, o anjo disse-lhe:

(Continua amanhã)

SHLOMO YITZHAK

França (1040-1105)

(Transcrito em português contemporâneo, adaptado, revisado e enriquecido por Jefferson Magno Costa)

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