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sábado, 2 de abril de 2022

o Zelo e a Observância da Lei

 


Hannah e Maria, o Zelo e a Observância da Lei

      O primeiro pensamento de um judeu ao despertar pertence a Deus. O mesmo se dava também na casa de Hannah. Logo após o primeiro cantar do galo, mãe e filha saíam de seus quartos, lavavam a boca, o rosto e as mãos e, juntas, faziam a oração matinal. Depois as duas iam sentar-se à mesa para a leitura das Escrituras. A mãe sentava-se no lugar antigamente ocupado pelo marido. Hannah retirava um pergaminho da arca e lia o primeiro capítulo do livro de Rute que era, aliás, a sua leitura predileta. Rute era sua parenta e, como o próprio grande Rei, era o orgulho de todos os que se consideravam descendentes da casa de Davi.

Aliás, Rute era a heroína de todas as mulheres da família que descendiam do rei Davi, as quais liam e reliam reverentemente o livro que mencionava o nome daquela moabita, pois ela surgira de uma família estrangeira e, mesmo assim, conseguira alcançar, graças à sua lealdade, o mais alto privilégio a que uma mãe em Israel podia aspirar, o de ser a matriarca da linhagem real e candidata a fazer parte da genealogia do Messias.

      Depois de ler o primeiro capítulo, as duas mulheres recitavam o Sh’ma Yisroel (“Escuta, ó Israel”). É verdade que a lei não exigia a observância de tal prática por parte do sexo feminino, mas as mulheres devotas continuavam a fazer suas orações, sem que os mestres da lei procurassem impedi-las. Somente depois de findas as orações é que mãe e filha se entregavam às tarefas caseiras. A primeira delas, em um lar judeu, era dar alimento e água aos animais. Nenhum judeu devia fazer sua refeição matinal sem primeiro matar a fome de seus animais. Assim, enquanto a mãe preparava o desjejum no interior da casa, a filha ia cuidar do rebanho.

      A cerra//ção que caíra de madrugada começava a levantar-se, à semelhança de um véu flutuante que ia se esgarçando acima dos tetos e das árvores. Gotas de orvalho cintilavam em cada folha e em cada pétala de rosa. A jovem ficou com os pés completamente úmidos. Pequeninas pérolas começaram a pontilhar-lhe as lindas mechas negras de cabelos que haviam escapado do pano que ela amarrara à cabeça. A aragem da manhã bafejou-lhe o colo que a túnica deixara a descoberto. Ela, porém, não sentiu o frio nem a umidade que lhe vieram ao encontro. Sua mente e seu coração estavam inteiramente absorvidos pelas imagens que a leitura da mãe lhe despertara – imagens das palavras hebraicas traduzidas para ela no dialeto aramaico e relacionadas com a história da volta de Noemi e suas duas noras para Belém.

Tinha-a ouvido muitas vezes, e sempre lhe parecia nova. Viu-se na estrada de Belém com Noemi e Rute, e ouviu a voz desta dizer à sogra: “Não me instes para que te deixe e me afaste de ti; porque, aonde quer que tu fores, irei eu e, onde quer que pousares à noite, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus” (Rute 1.16). Como eram misteriosos os planos do Senhor! Ele escolhera uma estrangeira pertencente a um povo estranho, que servia a um deus que não era o Deus de Israel. Rute se tornara uma das mães do judaísmo, como havia sido Sara e Rebeca. Ela parecia até com a própria Raquel.

Fora-lhe concedida a graça de entrar na linhagem do Messias (Mateus 1.5). Não era essa a prova de que o Messias-Rei viria para todos os seres humanos e todas as nações, uma vez que todos eram filhos do Senhor? Não foi isso que disseram os patriarcas e profetas? (Gênesis 49.10; Salmos 72.11,12,17). Mulheres como a estrangeira Rute foram incluídas como parentes muito anteriores do Messias a fim de que todas as nações pudessem ter uma parcela nessa herança: a de receber a bênção do rei Messias, o descendente da Casa de Davi.

      A jovem encaminhou-se para o aprisco. Os carneiros a esperavam, os ouvidos atentos ao ruído de seus passos. Todos estendiam o focinho em sua direção, aproximavam-se, esfregavam-se no corpo da moça, dando-lhe e recebendo carinho. Lambiam-lhe as mãos, e a cada um que dela se acercava em busca de carícias, Maria dizia-lhe o nome. A um afagava-lhe as orelhas e chamava-o de “Luar”, a outro lhe dava a mão para que ele lambesse. Um abaixava a cabeça para que Maria lhe acariciasse o focinho, outro bafejava-lhe.

Depois dessa recepção do rebanho de carneiros à sua dona, Maria pegava no colo os que ainda eram pequeninos, mimava-os, partilhava do calor que vinha de seus corpos tenros e mergulhava os dedos em sua lã felpuda. Estremecia ao sentir nos braços e no colo a pulsação da vida daqueles animaizinhos como se percebesse o destino de todos os que estavam indicados para o sacrifício a Deus.

      Maria abriu o aprisco e conduziu os animais ao bebedouro. Lá deixou que a água da cisterna corresse e enchesse o coche. O jumento foi o último a chegar. Aguardara resignadamente a sua vez de ser acariciado. Maria passou a mão pelo seu pescoço, e ele retribuiu a carícia com um pequeno zurro de satisfação. A jovem levou-o depois para o bebedouro e, em seguida, jogou-lhe um feixe de feno.

      A terra secara sob os seus pés enquanto ela voltava para casa. O sol iluminava todo o céu, e seus raios, à semelhança de línguas sedentas, beberam o orvalho da relva e das árvores, e secaram a umidade dos cabelos e dos pés e braços nus da jovem. A alegre claridade brincava com o azul desbotado de sua túnica. Cercava-a uma trêmula névoa de luz que aumentava o brilho dos seus cabelos negros, e acentuava o azul das pequeninas veias sob a sua pele branca. Aquele beijo do sol agitou-lhe o sangue e levou-lhe ao rosto um rubor. Maria baixou a cabeça e cobriu os olhos com as mãos.

(Continua amanhã)

SHLOMO YITZHAK

França (1040-1105)

(Transcrito em português contemporâneo, adaptado, revisado e enriquecido por Jefferson Magno Costa)

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