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quarta-feira, 20 de abril de 2022

Os Habitantes de Nazaré Notam a Transformação de Maria


      

     Não levou muito tempo para que todos em Nazaré começassem a comentar a transformação que se operava em Maria. Viam muitas vezes a jovem dirigir-se para lugares sossegados, demonstrando inexplicável predileção pela solidão, em vez de procurar divertir-se com as amigas e usufruir da companhia do noivo. Todavia, a sua melancolia não era das que costumam irritar o observador. Ao contrário, parecia irradiar notas melodiosas de uma canção, as quais ressoavam nos corações das pessoas, enchendo-as de estranha alegria.

      Todos se sentiam mais felizes em sua presença. Porém, em outros momentos, tinha-se a impressão de que a sua companhia causava certa inquietude. Todos achavam que era preferível não olhar em seus olhos. Até mesmo a mãe se sentia estranhamente perturbada quando a via sair do quarto pela manhã. Nessas ocasiões, parecia que um véu de luz envolvia a jovem, e o brilho que refletia em seus olhos parecia ter algo de celestial.

      Vendo-a assim uma manhã, perguntou-lhe a mãe, com a voz trêmula, dominando a emoção:

      — Maria, minha filha, tu me pareces muito estranha. Por amor de Deus, diz-me o que foi que aconteceu?

      — Não sei o que a senhora quer dizer com isso, mamãe.

— Como não sabes, Maria? Dás a impressão de que um anjo está andando à tua volta. Até parece que lhe ouço o bater das asas.

— Deus deixou que Sua graça caísse sobre mim, mamãe — respondeu Maria com simplicidade e sem constrangimento.

— Nós todos temos a graça de Deus, assim penso — retrucou Hannah, lançando um olhar penetrante para a filha.

— Eu sei, mamãe, mas é que o nosso Deus me escolheu para trazer conforto e esperança aos oprimidos. Fui escolhida por ele para ser a mãe daquele que resgatará Israel.

— Maria, tuas palavras me causam aflição. Alguma coisa se passou contigo. Não sei o que é, mas uma coisa te peço: Não deixeis essas palavras caírem nos ouvidos dos estranhos. As más línguas falariam mal de ti.

 Que mal poderiam falar de mim, se o Criador me protege? Ele está ao meu redor como um cinturão de fogo. A quem devo temer se Ele me escolheu para conceber a esperança de Israel?

Hannah empalideceu de pavor.

— Rogo a Deus que não me envergonhes, Maria disse ela, e que Ele faça que tudo corra bem.

Tomou depois a filha pela mão e conduziu-a para o seu quarto, acrescentando:

— Fica aí entre essas paredes. Receio que apareças para os outros e comeces a falar sobre isso.

Mas todos os habitantes de Nazaré vieram a saber disso. Muitas vezes, em plena luz do dia, Maria costumava ajoelhar-se em oração quando trabalhava na sua horta ou jardim. Outras vezes, à noite, permanecia ereta no telhado da casa, sozinha, contemplando as estrelas, ou caía de joelhos, as mãos levantadas para o céu, e entoava os salmos de Davi ou uns versículos que ela mesma compunha, e cuja razão de ser ninguém compreendia. Não eram versículos de uma profetisa, mais pareciam palavras de adoração de uma sacerdotisa. Cantava alegres hinos de louvor e magnificats ao Altíssimo pelos milagres que nela se haviam operado. Seus cânticos referiam-se às promessas cumpridas, a obrigações antigas assumidas para com os Patriarcas, à aproximação do dia da salvação, da grande redenção.

— Que se abram as portas da glória para o Santíssimo de Israel! — cantava ela. — Os cativos e os pobres anseiam pela Sua vinda! Os cânticos de toda a Terra se elevam para Deus!...

A viúva Hannah costumava despertá-la daqueles deslumbramentos. Erguia-a, ajudava-a a descer a escada e conduzia-a para o interior da casa. Não queria que o estado d’alma da filha alimentasse os mexericos do povo.

(Continua amanhã)

SHLOMO YITZHAK

França (1040-1105)

(Transcrito em português contemporâneo, adaptado, revisado e enriquecido por Jefferson Magno Costa)

 

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