–
Diz-me uma palavra, Maria, balbuciou José rompendo finalmente o silêncio.
Diz-me que não tem razão todos aqueles que te acusaram. Diz-me que eu
acreditarei. Sei que o teu coração não encerra nenhum pecado.
– Eles
falaram a verdade, José.
– Quem?
– Aqueles que
disseram que eu trazia em meu ventre a esperança do mundo.
– Maria,
eu não compreendo o que queres dizer.
– Vou
ter um filho.
Um estremecimento
percorreu o corpo de José. Ele ergueu a cabeça e levantou-se depois com certa
dificuldade.
– Maria, sei que não
há maldade em teu coração, disse. Possa Deus proteger-te sempre, estejas onde
estiveres.
Curvou-se para a
esposa e a deixou a sós na escuridão. Os olhos de Maria acompanharam a sua
figura. Ela o viu atravessar cambaleante o jardim e desaparecer depois entre as
casas iluminadas da cidade.
Ao chegar à pequena
oficina de Reb Elimelech, José atirou-se no catre e começou a meditar no que
devia fazer. Não alimentava ressentimento algum para com Maria, pois, no
íntimo, sabia que não podia acusá-la de infidelidade. Tinha a certeza de que
ela desejara dizer-lhe alguma coisa. Seus olhos lhe haviam falado com uma
eloqüência que lhe era peculiar. Achava que só mesmo a obtusidade de seu
espirito é que o impedira de compreender o que eles lhe queriam dizer.
Haviam-lhe suplicado para que não a julgasse... Sim, Deus proibia que ele a
julgasse. Ele tinha vindo de terras distantes... Quem poderia conhecer as
atribulações por que ela passara antes de se terem encontrado? Quem podia saber
da amargura que lhe pesava o coração, da qual se lhe via transparecer nos olhos
apenas um vislumbre? Mas seria realmente amargura o que vislumbrara em seus
olhos? Sem dúvida eles eram radiantes e esparziam um mundo de felicidade. Maria
dissera que trazia no ventre a esperança do mundo. Ele não compreendera – e até
mesmo naquele momento não compreendia o que ela quisera dizer com isso – mas a
indizível alegria de seus olhos confirmavam aquelas palavras, colocavam-na
longe do alcance de qualquer pergunta e de qualquer dúvida. Não podia caber no
esplendor dessa alegria um pecado. Não inspirava piedade mas sim o desejo de se
partilhar a sua felicidade.
Não havia, porém,
lugar para ele naquela felicidade. Deveria ter surgido algum outro – alguém que
ela julgara mais digno. Não estaria ele então sendo um empecilho para ela? Não
iria ele ser a lembrança viva da censura? Não quisera condená-la. Fizera a sua
obrigação. Assumira a responsabilidade do que se passara, confessara
publicamente ter sido o autor de um ato vergonhoso qualquer que tivesse sido
cometido. Maria salvara-se das garras da lei. Nada podia suceder-lhe agora. E,
quanto a ele, a única coisa que restava a fazer seria afastar-se de suas vistas
e sair de Nazaré, voltar para o lugar de onde viera. O povo da cidade iria
naturalmente amaldiçoá-los quando saísse. Iriam dizer que casara com uma pobre
órfã tão somente para abandoná-la depois, e seria, sem dúvida, uma coisa
dolorosa deixar atrás de si um nome manchado, pensou. Poderia de algum lugar
distante requerer o divórcio, de acordo com as leis de Israel. o que mais lhe
iria pesar no espirito seria o sofrimento que causaria então ao seu parente, o
bom Reb Elimelech. Desde o momento em que chegara até aqueles últimos dias, o
velho Reb fora de uma grande bondade, protegera-o com toda a força de que
dispunha. José sentiu-se torturado só em pensar no mau juízo que Elimelech
haveria de fazer dele até o fim de sua vida. Mas até isso ele teria que
suportar. Estaria disposto a pagar qualquer preço que poupasse Maria da
vergonha e da aflição que a sua presença lhe causaria. Queria que ela ficasse
imaculada e inocente perante a família e o povo de Nazaré.
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